Eram 11.30 quando passei por esta porta. Lá dentro, alguém espreitava através da transparência da cortina. Rosaclara é o seu nome. Triste por vocação e religiosa por necessidade, fez desta casa um verdadeiro altar. Por detrás das paredes enfeitadas há uma pequena igreja que erigiu sozinha. Espalhou uma enorme comunidade de santos por todos os lados. Santos em figuras, em calendários, em velas, em posters, em ímans na porta do frigrífico. E santos nos lençóis, desenhados nas paredes, bordados nos guardanapos onde limpa a boca ao jantar. Os cânticos são permanentemente entoados por entre os dentes - enquanto cozinha, lava a louça, penteia os longos cabelos ou recebe (a custo) o marido, que é ateu. Rosaclara vive com medo. Diz-lhe o marido que não há céu e que os santos são um negócio da China. E ela tem muito medo de morrer e de descobrir que, afinal, toda uma vida de devoção só beneficiou a loja da rua em frente.
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